segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Vale a pena conferir!

A CAMINHO DA PRODUÇÃO DO TEXTO DISSERTATIVO NO ENSINO FUNDAMENTAL
(ON THE WAY TO PRODUCE ARGUMENTATIVE TEXTS AT PRIMARY SCHOOL)

Adriana FISCHER (Universidade Federal de Santa Catarina)

RESUMO: A produção de textos dissertativos em séries iniciais do Ensino Fundamental é ainda uma atividade restrita. Devido a esta constatação, propõe-se, então, um trabalho com esse gênero discursivo em uma 4a série, a fim de que os alunos desenvolvam suas capacidades argumentativas e se assumam sujeitos/autores de seus textos dissertativos.

PALAVRAS-CHAVE: argumentação; interação; produção escrita; crianças.


[...]
A pesquisa em sala de aula: algumas reflexões e conclusões preliminares

Através de uma metodologia caracterizada pelo estudo do tipo etnográfico, realizou-se a pesquisa na 4a série A do Colégio de Aplicação da UFSC, em 2000. Visando, ainda, implementar a produção de textos escritos junto aos alunos desta classe, foi realizada uma intervenção colaborativa que preconiza um trabalho conjunto com a professora regente e colaboração progressiva entre a pesquisadora e o grupo pesquisado.
Um forte motivo para introduzir a produção escrita de textos dissertativos nessa 4a série, por intermédio de intervenção colaborativa, foi a constatação, através de observações diárias, do domínio da forma discursiva dissertativa oral pelos alunos. Então, por que adiar este trabalho escrito para séries finais do Ensino Fundamental? Conforme depoimentos da professora regente: os alunos preferem os textos narrativos, onde eles narram o acontecimento. Também não trabalhei assim com eles o narrativo tem essa e essa procedência e o texto dissertativo tem essa e essa e assim por diante. E a dificuldade deles nos outros tipos de textos é maior. Pra mim também a maior facilidade é o texto narrativo. Através do posicionamento da professora, compreende-se que a insegurança e a falta de informação a respeito da produção de textos dissertativos eram fatores claros para abdicar deste trabalho.
Conseqüentemente, procurando oferecer condições de produção aos textos dissertativos junto aos alunos, foram realizadas, primeiramente, diferentes tarefas. Destacam-se: atividades de leitura, reflexão e análise de pequenos textos em busca da tese central e argumentos presentes; elaboração de argumentos escritos, com vistas à realização de um debate político, entre alunos, e posterior votação; exercício de construção de esquemas, com o objetivo de guiar os alunos na formulação de delimitações de um assunto a serem discutidas num texto escrito; leitura de alguns textos de enciclopédias e revistas, a fim de analisarem a configuração de textos: título, subtítulos, gravuras, gráficos etc., a qual facilita a compreensão dos leitores e, por fim, ordenação lógica de parágrafos de um texto intitulado “História da escrita”, no intuito de que os alunos localizassem expressões – pistas lingüísticas – deixadas pelo autor do texto, para a compreensão da evolução histórica da escrita e, assim, poderem ordenar cronologicamente os parágrafos.
Realizada esta trajetória inicial com os alunos, quatro propostas de produção de textos dissertativos foram desenvolvidas. A primeira, um texto evidenciando o ponto de vista e argumentos críticos do aluno acerca de um notícia atual, a qual foi escolhida e lida pelo próprio aluno. Vale ressaltar que já era atividade semanal, para os alunos da 4a série A, a exposição oral sobre um acontecimento atual do Brasil ou do mundo. A segunda proposta foi a produção de um texto revelando a evolução histórica de alguma descoberta humana. Para isso, a tarefa de cada aluno, foi, inicialmente, pesquisar e ler sobre um tema do próprio interesse, para então ter informações e condições para produzir um texto dissertativo. A terceira proposta foi uma resenha crítica sobre o filme “Os Batutinhas” proposto pela bibliotecária da escola. Anterior a esta produção escrita foram realizadas leitura e análise de uma resenha crítica, intitulada “Cadeiras Vazias”, do autor Sérgio Rizzo. A última proposta foi um texto argumentativo, assim denominado, pois versava sobre um tema polêmico – violência – apresentando, dessa forma, pontos de vista contrários na mesma produção. Para viabilizar as discussões sobre este tema, foi feito, inicialmente, um debate coordenado por um policial. Assim, os alunos tiveram oportunidades de participarem ativamente das discussões. É importante destacar que atividades coletivas de reescrita foram desenvolvidas, a fim de orientar, de forma mais objetiva e diretiva, a reelaboração dos textos produzidos pelos alunos. Também, foram estabelecidos interlocutores reais para a produção de cada um dos quatro textos realizados durante a intervenção colaborativa – decisão esta que muito impulsionou os alunos.
As produções dos quatro textos dissertativos, na 4a série A do Colégio de Aplicação da UFSC, apontam para algumas constatações iniciais. A afinidade com o ato de narrar é explícita se comparada com a atividade da argumentação. Como constata Dolz (1995), a redução de atividades lingüísticas aos textos narrativos e descritivos, nas séries iniciais do ensino fundamental, justifica-se pela hipótese que há uma sucessão gradativa para o ensino desses gêneros discursivos. Desta forma, é adiado o trabalho com textos dissertativos escritos. Apesar da produção freqüente de textos narrativos, os alunos reagiram, na maior parte das vezes, de maneira positiva diante de atividades e propostas voltadas à produção de textos dissertativos. Porém, em muitos momentos, eram evidenciadas certas atitudes de resistência à realização dos trabalhos, provavelmente pela insegurança diante de um novo objeto (texto dissertativo), pela falta de conhecimento e por terem internalizadas muitas concepções sobre a produção de textos referentes a exigências meramente escolares.
Os textos produzidos demonstram ser coerentes às situações comunicativas propostas, ou seja, eram adequados às situações específicas de interação. Por exemplo, nos textos sobre o tema polêmico “violência” é evidente o posicionamento crítico dos alunos, apesar de muitos revelarem dificuldades em elaborar argumentos contrários ao próprio ponto de vista - contra-argumentos – conforme a proposta de produção deste texto. Confirma-se, por sua vez, que a necessidade de convencer e/ou persuadir um interlocutor representa um importante objetivo para a produção de textos dissertativos, distanciando esta atividade escrita de textos narrativos e da existência de um só destinatário: o professor.
Também é possível constatar que a organização do texto dissertativo se torna uma atividade mais objetiva, coesa e coerente para os alunos, se condições de produção forem favoráveis para que eles realizem escolhas de diferentes estratégias de dizer – procedimentos lingüísticos, a fim de sustentar uma afirmação, obter a adesão dos interlocutores e/ou justificar uma tomada de posição. Assim, as participações dos alunos, nas atividades precedentes à primeira versão dos textos (leitura e análise de textos, debate oral, por exemplo) e, principalmente, à reescrita dos textos, no tocante aos aspectos discursivos, configuracionais e lingüísticos, foram decisivas para determinar as escolhas específicas realizadas por cada aluno. Revelam-se, ao longo do processo, marcas de um maior comprometimento dos alunos com seus dizeres, em que esses sujeitos se assumem autores de seus textos dissertativos. A partir dessa tomada de posição, por parte dos alunos, é possível inferir que a atividade de argumentação escrita vai sendo ampliada e qualificada por intermédio de novas experiências e conhecimentos, permitindo veicular, a cada texto dissertativo produzido, uma unidade de sentido. Nessa perspectiva, é confirmado que atividades com textos dissertativos escritos, já nas séries iniciais, neste caso de pesquisa – 4a série, possibilitam ao aluno expor o ponto de vista e assumir uma posição crítica diante de fatos reais, desenvolvendo, assim, a capacidade argumentativa.
Apesar das reações e atitudes positivas, outras parecem caminhar numa direção contrária. Surgiam algumas reclamações quanto à atividade de reescrita dos textos. Mesmo havendo interação entre os alunos na atividade oral, precedente à reescrita, surgindo várias sugestões de mudanças para os textos, o trabalho com a linguagem escrita não seguiu esta mesma direção. Certamente, as formas de interação entre texto, professor e aluno desenvolvidas em sala de aula, no período anterior à intervenção colaborativa, contribuíram para essas atitudes controversas dos alunos.
Portanto, a afinidade, a experiência e a segurança com a produção de textos dissertativos serão ampliadas gradativamente nos alunos, através da continuidade desse trabalho nas séries seguintes, proporcionando a eles novas habilidades nessa atividade escrita.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1986.
_____. Estética da criação verbal. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
DOLZ, J. Learning argumentative capacities: a study of the effects of a systematic and intensive teaching of argumentative discourse in 11-12 years old children. Argumentation, n.10, p. 227-251. Netherlands, Kluwer Academic Publishers.
GALVES, C.; ORLANDI, E. P.; OTONI, P. (Orgs.) Técnicas de aprendizagem da argumentação escrita. In: VIGNER, G. O texto, leitura e escrita. 2.ed. São Paulo: Pontes, 1997. p. 117-136.
GERALDI, J. W. Portos de passagem. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
KOCH, I. V. Argumentação e linguagem. 5.ed. São Paulo: Cortez, 1999.
LEITE, S. A. da S.; VALLIM, A. M. de C. O desenvolvimento do texto dissertativo em crianças da 4a série. Cadernos de pesquisa, São Paulo, n. 109, p. 173-200, março 2000.
MARTIN, J. Factual writing: exploring and challeging social reality. 2.ed. Oxford: Oxford University Press, 1990.
MARTINEZ, R. H. B. Subsídio curricular de língua portuguesa para o 1o e 2o graus; coletânea de textos. São Paulo: CENP/SE, n. 23, p. 51-9, 1997.
PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1999.


FONTE: http://www.gel.org.br/estudoslinguisticos/volumes/31/htm/comunica/CiII07a.htm

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