quinta-feira, 12 de novembro de 2009

TP 2: Não sofrendo mais a Gramática...

No último dia 07/10/2009, tivemos mais um encontro que, como vem acontecendo, foi muito proveitoso. Discutir o ensino da Gramática e seus vários sentidos é uma tarefa, às vezes indigesta, pois estávamos (felizmente já faz algum tempo!) acostumados ao ensino da Gramática prescritiva, isso mesmo, a nor-ma-ti-va, e, embora tenhamos consciência da Gramática Internalizada, não é a ela que muitas vezes recorremos em nossas “aulas de análise sintática” e nem por isso elas (as aulas) são mais produtivas?!
Não é verdade, ainda, que ouvimos nossos alunos dizerem que “português é difícil”, que não conseguem conjugar os verbos “corretamente” e que não conseguem classificar uma oração subordinada substantiva objetiva direta, acrescente-se ainda, reduzida de infinitivo, de gerúndio ou de particípio”?!
E o que dizer quando na oração “Indústria demite 16.000” falamos para nosso aluno que “indústria” é o sujeito simples em vez de, reflexivamente, levá-lo ao analisar quem, de fato, está por trás das demissões; em outras palavras, dar nomes aos bois. Nesse sentido, nosso aluno descobriria que o sujeito, na verdade, pode ser composto... Esse estudo reflexivo, sem dúvida, é mais produtivo.
Trabalhar o ensino da língua reflexivamente é característica da Gramática descritiva e que “faz uma dobradinha” com a Gramática internalizada, ou seja, a língua em uso. Por essa razão, ao discutirmos o TP 2, recorremos à internet, mais especificamente, ao blog www.placasridiculas.blogspot.com. Vejamos o que havia estava escrito na “placa”:

NÃO ME INVEJEM
TRABALHEM!
A SUA INVEJA E A MINHA
FELISIDADE
Nela, observamos que há pelo menos dois registros diferentes do que prescreve a gramática, mas antes de tachá-los como “erros” era preciso que considerássemos as razões possíveis para o uso de cada um deles.
Eis abaixo nossa tentativa de resposta:
1 - A letra “E” (sem acento!) e “FELISIDADE”, os vocábulos são escritos conforme opções gráficas possíveis.
2 – “E” é a 5ª letra do alfabeto (e a 2ª vogal), e pronunciamo-na, assim, com o som aberto (é) sem o uso do acento. Os habitantes da região sudeste, por sua vez, chamam-na de “Ê” (som fechado, mas sem o acento circunflexo); portanto... Maria e aluna da Educação Básica, em vez de Maria é aluna da Educação Básica.
3 – O substantivo “felicidade” é escrito, também, conforme as opções gráficas: “silêncio”, “psicólogo”, “cursinho”, etc
Como chegamos a essa descrição? Primeiro, observamos cuidadosamente determinados textos produzidos pelos falantes. Depois, tentamos analisar e descrever o que observamos. Nesse caso, estamos usando um pequeno exemplo de estudo da chamada gramática descritiva (reflexiva). Como já anunciamos, ela procura simplesmente descrever os usos das regras da língua e buscar razões para esses usos, sem a preocupação de rotular os empregos em “certos” e “errados” (TP 2, p. 20).

A fim de ratificar as razões para o emprego de uma grafia em detrimento de outra (a “correta”), tomamos como objeto de análise o texto do aluno da 5ª Série, Herbert Arão, quando em sua “pregação” ele “Sauda (sic) a Igreja com a pas do Senhor...”. Vamos nos deter apenas na grafia da palavra “pas/paz”.
No dia a dia, deparo-nos com as palavras mas/mais/más, essa última, acreditamos, embora adjetivo, feminino, plural e substituída por “mau”, a saber, “Ela é mau” / Elas são “mau”, quando o correto seria: Ela é má/ Elas são más. Mas, voltemos ao mas e mais:
1 – Pas/paz, mas/mais têm o som de “S”;
2 – Ok, o leitor pode dizer que nossos alunos veem, o tempo todo, a palavra “paz” grafada com “Z”; esse argumento, contudo, pode ser colocado em xeque uma vez que ele pode, sim, já tê-la visto escrita com “s”. Explicamos: na cidade do Recife, mais especificamente no bairro de Campo Grande, existe o Clube das Pás, um dos espaços mais tradicionais da gafieira pernambucana, ideal para quem gosta de dançar. Vale ressaltar que se trata de um lugar centenário, lugar de paz e de muita alegria...
Embora, na maioria das vezes, o nosso aluno saiba, mas a palavra “paz” é derivada do latim pacem - “C”, “S” sons próximos, não?! – e é natural a sua (quase total) incompreensão quando lhe “ensinamos” que o adjetivo superlativo absoluto sintético de “amigo” é “amicíssimo”, derivado do latim “amicus”...

Somos o escriba de que falou Paulo Leminski? É o que imaginamos: NÃO, NÃO SOMOS.
Estamos certos de trabalhar a Gramática normativa, hoje, da maneira que a aprendemos (aprendemos?) é concordar que ela continue a ser o “guia de uso da língua”, e que estabeleça o certo e o errado, privilegiando as regras do dialeto culto, visto como o único válido e legítimo no ensino da língua.
É ratificá-la como um receituário de “boas maneiras lingüísticas”, colocado à disposição dos falantes, especialmente dos alunos. Infelizmente, nessa gramática, a norma culta parece ser a “língua correta”, a noção de erro e acerto é muito marcante, enquanto nas gramáticas descritiva e produtiva a noção mais importante é a adequação da linguagem a cada situação sociocomunicativa (TP 2, p. 25-26).
Isso posto, está claro que concordamos que para o ensino da língua, é essencial o trabalho da gramática Internalizada, “que pode e deve ser cada vez mais ampliada, o que se consegue sobretudo pelo ensino produtivo da língua, que privilegia o desenvolvimento da língua “em uso” e pretende desenvolver novas habilidades do falante” (TP 2, p. 16-18).
É importante lembrar, contudo, que não é fácil deixar de ensinar (nem devemos deixar de fazê-lo!) a Gramática normativa; devemos ensinar, sim, contudo, a partir de uma situação concreta de uso, o que, convenhamos, é um processo lento, mas eficaz. Não existem formas milagrosas. Existe (e exige) tempo e co-responsabilidade, isso mesmo: nosso aluno deve ser responsável nesse (e por) esse processo.
Nesse sentido, e a fim de facilitar o Avançando na prática - que, como sabemos, é o momento em que o professor Cursista leva para a sala de aula dele o que vivemos em nossas Oficinas – e, consequentemente, a Lição de Casa, propusemos aos professores uma Tarefa de Classe que consistiria na elaboração (em grupo) de uma Situação Didática real que poderia ser aplicada em uma turma de 6º, 7º, 8º ou 9º Ano, a partir do estudo/ análise da Gramática Normativa.


Da esquerda para a direita, Márcia Vilar, Lucinda Trindade (de blusa branca),
Jaciara Santos e Cassiana


Em primeiro plano, Valdete Amorim; à esquerda (de blusa branca), June Travassos; ao fundo (de preto), “inspecionando” (rssssss) a Tarefa de Classe, Elizabete Tomaz


June Travassos e Ângela dos Santos

Plécia (de azul), Socorro Marinho, Sueli Prazeres, Márcia Cilene (de amarelo) e Elizabete Tomaz

Com muito humor e criatividade, os colegas Cursistas propuseram situações comuns de sala de aula e discutiram de que maneira trabalhariam as “incorreções” dos alunos

Saulus Pereira, professor cursista

Percebemos o quanto da oralidade está presente no trabalho desses “alunos”: “vendi si” (vende-se), “nu” (no), “trata” (tratar), e ainda temos “caza” (sic)! Após a discussão acerca das escolhas, observamos que o passo seguinte seria o da refacção do texto:
Essa Situação Didática ratifica o que diz o TP 2 (p. 21) sobre o estudo reflexivo da gramática ser “quase sempre um desdobramento natural de um bom ensino produtivo da língua. Muito raramente, o ensino produtivo não implica algum tipo de questionamento e de reflexão. Bons exemplos desse trabalho são os estudos de interpretação e o de reescrita de nossa produção. A chamada “refacção de textos” é, sem dúvida, um momento de reflexão sobre nossas escolhas e as possibilidades de melhor expressão. Nesses casos, trata-se de estudar as possibilidades linguísticas mais adequadas a determinado momento de comunicação, e não de rotular fórmulas certas ou erradas”.
Então, vamos à refacção!

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O resultado do Avançando na prática você poderá, em breve, acompanhar aqui mesmo.
Até lá!

Um comentário:

  1. Ah, português é complicado sim, Dona Edvânea! Mais, nada que seja impossível de ser absorvido rs.

    ''...conseguem conjugar os verbos “corretamente” e que não conseguem classificar uma oração subordinada substantiva objetiva direta, acrescente-se ainda, reduzida de infinitivo, de gerúndio ou de particípio”?!''
    qq?! rs.
    _____________________________________________

    Esses errinhos básicos são fuderosos! Estava até um dia desses na net, e encontrei um blog cujo post era:
    ''Sete motivos para ser/não ser um professor de português''
    E lá tinha basicamente tudo que li aqui.

    Muito bom.

    Abraço.

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