domingo, 27 de setembro de 2009

TP 5 e TP1: O fim e o princípio

Em 2005, Eduardo Coutinho presenteou-nos com o documentário O fim e o princípio. Nele, “o Diretor expõe histórias de camponeses que vivem num sítio no interior da Paraíba. Coutinho conta com Rosa, moradora da comunidade, que aleatoriamente o leva as pequenas propriedades do sítio Araçás para que possa conversar com as famílias. Durante todas as entrevistas o diretor ouve histórias do cotidiano e procura compreender como os trabalhadores rurais encaram a morte e a velhice, temas que o ajudarão a amarrar a edição do filme” (Fonte: http://www.cranik.com/ofimeoprincipio.html)
A referência ao filme no título do registro desta Formação não é aleatória e, acreditamos, dialoga com a sinopse acima. Explicamos: no momento da socialização da Lição de Casa, é comum constatar que alguns professores Cursistas ainda têm dificuldade de aplicar o Avançando na prática em suas turmas; mas, quando o fazem, constatamos que, de uma maneira ou de outra, o “fim” (objetivo) é alcançado o que nos estimula a pensar no começo de uma (almejada) revolução na sala de aula. Por revolução entenda-se a maneira flexível como muitos professores trabalham em sua turma, levando até os alunos mais inflexíveis a produzirem em suas aulas.
Nesse sentido, é importante destacar a experiência do professor Israel de Oliveira Barros Júnior, da Escola Vereador José Mendes de Lima. Segundo Israel, sua turma do 6º Ano é composta por alunos de faixa etária e gosto diversos. Sendo assim e a fim de trabalhar a noção de estilo no domínio da linguagem e após a leitura de “Cada um é cada um” (TP 5, pág. 15-16), texto de José Roberto Torero, o professor pediu que cada aluno narrasse o “seu gol”. Embora não fique claro qual o estilo da linguagem dos alunos – levando em consideração que trabalhamos na Formação com os professores Cursistas diversos estilos de narração, inclusive de “personalidades” da mídia brasileira -, o resultado são textos adaptados à realidade em que vivem.
Houve, contudo, quem alegasse que não faria a atividade, pois não gostava de futebol, ou por que não torcia por nenhum dos times locais, a saber, Náutico, Santa Cruz e Sport. A ambos os grupos, o professor sugeriu que fizessem “adaptações” e é a partir da narração de cada um que o professor tenta "amarrar" o conteúdo trabalhado. A produção é bem diversificada, vai da narração da “pelada” no campinho do bairro de Passarinho, zona rural de Olinda, a uma “pregação” religiosa.
TEXTO A

TEXTO B

O objetivo, como podemos ver, está sendo alcançado, parece-nos que estamos diante do começo de uma nova escola. Ademais, as produções acima e a postura compreensível do professor corroboram a necessidade de “rever nossa atuação como professores de Língua Portuguesa. Em sala de aula, é fundamental criar oportunidades para que os alunos trabalhem textos que exemplifiquem diversas situações de comunicação, em que dialetos e registros diferentes se apresentem para a sua reflexão e discussão e como ponto de partida para a produção de textos igualmente diversificados. Esse é, afinal, o objetivo maior do ensino da língua: desenvolver no sujeito a competência para a leitura e produção de textos” (TP1, pág. 41).
O trabalho realizado com/por esses alunos fomentou o desejo de aplicar muitos outros Avançando na prática. Isso posto, está na hora de darmos início ao Registro da Formação: TP 1.
Como iríamos trabalhar “Variantes lingüísticas: dialetos e registros”, TP 1, pág. 13, pensamos, inicialmente, em exibir o documentário Língua - Vidas em Português, de aproximadamente 90 minutos, mas recuamos levando em consideração a escassez do tempo - os nossos encontros têm sido mensais, pois os professores ainda estão “pagando” a greve –, optamos por trabalhar apenas os registros do Brasil, o que já dá muito “pano pra manga”. Vale ressaltar que quisemos, também, dentro da variação linguística, fugir do "pernambuquês" e oferecer aos Colegas Cursistas a oportunidade de conhecer melhor uma outra cultura, bem como entrar em contato com um outro texto literário, através de um programa de TV, realizado em 2003, e ainda discutir a intertextualidade como uma forma de metalinguagem (CHALHULB, 1986, p. 58)
A respeito do termo metalinguagem, Mesquita (1997, p. 17), apud Edna Menezes, afirma que o termo agrupa a palavra “linguagem” com o prefixo “meta”, que significa “transformação, transposição, transcendência, posteridade e sucessão.” Portanto, metalinguagem é um fenômeno da linguagem, pois, a linguagem tem função metalingüística quando discorre sobre o seu próprio conteúdo. É, na verdade, a própria linguagem que está em jogo. O emissor utiliza-se do código lingüístico para transmitir suas reflexões sobre ele mesmo. O que ocorre é que a própria linguagem é discutida e posta em destaque. O emprego da função metalingüística em literatura discute a própria criação artística.
FONTE: http://www.revista.agulha.nom.br/ednamenezes2.html

Expostos os argumentos, decidimos exibir o média-metragem (32 min) O negro Bonifácio, dirigido por Jorge Furtado, Guel Arraes e Regina Casé e adaptado do conto homônimo de Simões Lopes Neto, uma vez que o média atendia aos nossos propósitos.
Apesar da tragicidade do texto escrito, a adaptação, ao explorar a metalinguagem, deu leveza à narrativa e, de forma descontraída, mostrou-nos que “a língua não reflete só sobre o mundo, mas reflete também o mundo. Quer dizer, ela expressa a cultura dos sujeitos e dos grupos.” (TP 1, pág. 13). E foi através de termos como “chinoca” (mulher do peão, sua paixão, sua prenda), “bagual” (cavalo arisco, que ainda não foi domado ou recém domado), “cancha reta” (corrida de cavalos em que participam da carreira mais de dois cavaleiros), “bolicho” (bodega, pequena venda), que conhecemos como vive o gaúcho do interior do Rio Grande.
Foi possível constatar que esse “falar” não é o mesmo do portoalegrense e que se trata de uma variante comum a grupo, portanto, um dialeto. Vale destacar, ainda, que em a Cena Aberta, título do programa que exibiu a adaptação de O negro Bonifácio, há momentos em que a, então, Diretora Regina Casé chama a atenção da jovem que faria a “chinoca” no média por ela “misturar” o Tu (tão típico daquela região) ao Você usado nas demais regiões do Brasil, bem como o fato de seu sotaque, às vezes, lembrar mais o do habitante da capital gaúcha do que o do habitante da região onde a história se passa (e é gravada). A observação de Casé, a nosso ver, corrobora a ideia de que “os dialetos não são compartimentos isolados: ao contrário, recebem influências uns dos outros” (TP 1, pág. 40).
A discussão seguinte (e já esperada) diz respeito à elaboração do Projeto Didático que será implementado nas escolas públicas de Olinda, em 2010; pois, as Unidades das TPs, trabalhadas nas Formações, fizeram com que os professores verbalizassem as necessidades de seus alunos (e as suas também) de se aprofundarem em dois temas da TP 1: “Variantes lingüísticas: dialetos e registros” e “ O diálogo entre textos: a intertextualidade”.
Cientes da necessidade de trabalharmos a partir dos gêneros textuais, optamos por, no diálogo entre textos, explorar, principalmente, o ponto de vista nas diversas interações humanas e o que há “por trás dele”. Antes, contudo, discutimos os processos intertextuais que envolvem o texto inteiro ou apenas parte dele; a saber, paródia, pastiche, paráfrase, citação, epígrafe, referência e alusão. Dentre essas formas de intertextualidade, destacamos a imagem de Margarida, eterna namorada do Pato Donald, que dialoga não só com o quadro Moça com brinco de pérola – pintado por volta da segunda metade do séc. XVII – mas também com o filme homônimo produzido na Inglaterra em 2003. Ora, estamos diante do diálogo entre gêneros textuais diversos: o gibi, a pintura e o filme.
Como a nossa intenção era discutir o ponto de vista nas diversas interações e a fim de proporcionar aos Colegas Cursistas mais condições de pensar os seus projetos, retomamos textos já trabalhados em outros encontros como “Um E-mail para Sua Majestade” em que fica clara a visão preconceituosa do colonizador, e que nos permitiu retomar um outro texto. Vejamos:

Erro de português
Oswald de Andrade

Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio

Que pena! Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português

Bem, exemplos sobre o ponto de vista é que não faltam na Literatura Brasileira . Nesse sentido, foi oportuna a leitura e reflexão dos poemas abaixo:

Poema de sete faces
Carlos Drummond de Andrade

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
[...]

Com licença poética
Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade da alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

LET'S PLAY THAT
Torquato Neto

(musicado por Jards Macalé)
Quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes

Let's play that Do CD Torquato Neto - Todo Dia É Dia D Vários Artistas, Dubas Música, 2002

Levando em consideração que (infelizmente) os alunos não receberam sua versão do AAA (Atividade de Apoio à Aprendizagem), pensamos em como poderíamos trabalhar “o ponto de vista” no Avançando na prática. A ideia, mais uma vez, veio da própria literatura, mais especificamente de Missa do galo: variações sobre o mesmo tema, em que autores como Lygia Fagundes Telles e Osman Lins, só para citar alguns, colocam o foco narrativo (o ponto de vista) não mais em Nogueira (personagem de Missa do galo) como fez Machado de Assis, mas em Conceição, Dona Inácia e até (!) na Leitora do conto.
Acordamos, então, que faríamos o mesmo com o “nosso” Variações sobre um mesmo poema: Vou-me Embora pra Pasárgada, pois acreditamos que os professores cursistas não terão dificuldade de colocar na “lousa” (quadro-negro, quadro de giz, quadro branco, etc) o poema de Manuel Bandeira e trabalhar o ponto de vista de cada narrador-aluno, num diálogo constante com o autor de Pneumotórax.
O resultado?! Só poderemos conferir na socialização de nossa próxima Lição de Casa. Até lá!

Abraços,
Edvânea Maria (professora Formadora)

Um comentário:

  1. Que aula de português heim! (via blogger,rs)
    Muito bom mesmo.
    ''Formadora de professores'' , arrasou.

    Abraço.

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